domingo, 8 de março de 2009

RECORDAR O «TI» MOREIRA



No lugar do Carvalhal
Freguesia do Colmeal
Chega ao fim um ser humano
O ti Moreira morreu
a tristeza aconteceu
No último dia do ano.

Senti um nó na garganta
Ao saber que essa alma santa
Tinha chegado ao seu fim
Senti no rosto a humildade
De uma lágrima de saudade
Que tinha dentro de mim.

Da mesa se levantava
Ao saber que eu chegava
Lá vinha para me atender
Bom amigo o ti Moreira
Com a sua boa maneira
Que nunca irei esquecer.

Vinha à pressa da fazenda
À loja dar a encomenda
Para eu não perder tempo
Os cheques me confiava
Era eu quem os passava
Para fazer o pagamento.

Quantas vezes eu notava
Que certa mercadoria comprava
Não faltava de momento
São coisas que nunca esquecem
Por tudo isto merecem
O meu agradecimento.

Guardarei no coração
Com imensa gratidão
Toda a sua ajuda que deu
A este seu fornecedor
Que agora pede ao senhor
Que o ajude também no Céu.

A sua mercearia
Foi sempre uma mais valia
Para aquela boa gente
Hoje com a porta fechada
Com saudade será recordada
Por todos eternamente.

Com a sua maneira de ser
Lá vinha sempre atender
Assim que alguém o chamava
Para vir à mercearia
Fosse de noite ou de dia
Sempre bom modo virava.

Nestes aqui expressei
O que de si eu guardarei
Durante uma vida inteira
Na terra deixou a dor
Que descanse no senhor
A sua alma ti Moreira:

Como recordação e saudade do amigo,
Augusto

(Publicado no jornal "A Comarca de Arganil")


É bom saber que há pessoas que souberam reconhecer o teu bom carácter, a amizade e o carinho com que sempre foram recebidos no teu estabelecimento, por ti meu Pai, eu lhes agradeço.
O nosso muito obrigado ao Sr Augusto que também sempre fez o favor de ser nosso amigo.

sexta-feira, 6 de março de 2009

LEMBRANÇAS DA MINHA INFANCIA

A história do raposo
Quando um dia caminhava pela vereda que subia do Lambusqueiro pelo barroco da costa, não sei qual o motivo que me terá levado a estas paragens, mas o que me recordo muito bem foi do que vi , um raposo ainda bebé que uivava a entrada da toca, provavelmente reclamando a presença da mãe raposa, para se poder saciar com o leite materno. E obviamente que logo me passou pela cabeça apanhar aquele raposinho... não tardou nada para que estivesse a fazer o convite ao meu grande amigo e companheiro de aventura o "Manuel da Lucinda" para ajudar na tarefa, pois isto era tarefa para a dupla, porque se um dizia esfola o outro dizia mata. A decisão foi rápida, enxada ao ombro e ai vão eles, toca a derrubar a parede da calçada do "João Maria" o que nos custou alguns dissabores, mas derrubada a parede da calçada e mais alguns metros em frente começou a toca da raposa a dar a volta em direcção paralela a porta de entrada, mas como a missão era capturar o bichinho vai de cavar, o ânimo não faltava e ao fim de algumas investidas diárias, que duraram cerca de três dias lá conseguimos chegar ao ninho e apanhar o ansiado raposinho. Foi com grande alegria que chegamos à aldeia a apresentar o nosso troféu à população.
Agora surgia o problema de como albergar o animal, tarefa que se tornava difícil, pois não era fácil arranjar casa segura para tão astuto morador. Claro que ao fim de uns minutos a ideia surgiu, vai ficar dentro de uma caixa de madeira que eu tinha guardada numa casa onde dormiam alguns operários que trabalhavam para o meu pai na construção. E assim foi, todos os dias bem cedo eu deslocava-me a esse local para dar de comer ao raposinho. Qual não foi a minha desilusão quando um dia ao chegar junto da caixa que servia de casa ao animal, verifiquei que este estava morto, logo me apressei a dar a triste noticia aos restantes residentes (os operários do meu pai) que logo se apressaram a dizer que se calhar eu tinha dado comida a mais e o bichinho morreu de congestão.
Mas a conclusão vim mais tarde a saber, o meu bichinho de estimação fazia muito barulho de noite não deixando dormir os restantes residentes e o sr Manuel da Cabreira um bom artista na arte de pedreiro resolveu apertar o pescoço do meu lindo raposinho. Terminando assim a saga do raposo, mas não na memória de meu pai que não se cansava de evocar a saga do raposo em especial quando a dupla Acácio e Manuel da Lucinda estavam presentes.

domingo, 1 de março de 2009

MANUEL MOREIRA 'O MOREIRA DO CARVALHAL'

Manuel Moreira, nasceu no Carvalhal do Sapo a 26 de Agosto de 1921 e aqui faleceu a 31 de Dezembro de 2008.
É costume comentar que a vida são dois dias, a data do nascimento e a data da morte e vê-mo-lo sempre que vamos a um cemitério e todas as lápides traduzem esta realidade no seu dizer singelo, nasceu a tantos de tal e faleceu a tantos de tal. A diferença entre estas datas é um interregno da vida, uma imagem que perdurará ou se extinguirá, consoante as acções que podemos fazer em vida e que marcam a nossa passagem por este mundo.
Manuel Moreira, neste seu interregno, foi uma figura que marcou a sua passagem por este mundo na nossa terra, e que ficará para sempre na memória das nossas gentes, foi sempre uma figura marcante, de grande carisma para a era em que viveu, foi um grande exemplo para a sua e futuras gerações. Um símbolo dum mundo que deixou marca e que infelizmente está a desaparecer!
Era um homem que fazia da convivência uma devotada arte de partilhar a amizade. O seu grande amor pela família e a amizade pelos amigos era o que de mais importante tinha na sua vida.
Teve uma vida difícil, uma juventude vivida em terra inóspita de fracos recursos que tornava a vivência muito dura. Para aumentar as já normais dificuldades, surge uma situação inesperada e incompreensível para uma criança de nove anos, ficar órfão de pai, com mais dois irmãos de seis e três anos, a mãe fica com maiores responsabilidades e obrigações para cumprir, deixadas pelo falecimento inesperado do pai, a pobreza que exalava na família tornava impossível o cumprimento destas obrigações. É aí que entra a responsabilidade do filho mais velho, colaborar na alimentação da família e no cumprimento dos deveres da mesma. Foi com esse sentimento de amor fraternal, e o sentido do cumprimento dos deveres de família, que toma uma decisão, mudar o rumo da sua vida, arranjar maneira de ganhar a vida, uma vida que trouxesse algum dinheiro, para alimentar a família e pagar as dívidas que ainda se mantinham. Foi na esperança de uma vida melhor que tomou o rumo a Lisboa, onde foi procurar um meio de subsistência e o melhor que encontrou foi como moço de armazém, onde se empregou, recebendo um parco salário, mas com boa gestão e muito esforço conseguiu o seu objectivo, entretanto surge uma outra situação, a de formar uma nova família, consumar o casamento, pois isso seria a ordem normal da vida... e assim aconteceu. Casamento consumado a vida vai ter de continuar, a mulher fica na aldeia a cultivar as suas terras e ele vai ter de continuar a sua sorte na capital. Situação que se foi mantendo por alguns anos mas as saudades da esposa e do primeiro filho, já nascido, começam a apertar e a angústia da distância a fazer-se sentir... e assim, há que enfrentar a situação! Foi na tentativa de conseguir dar novo rumo à vida dura, aos salários miseráveis, à separação da família pela distância que surge a oportunidade que há algum tempo ecoava o regresso à sua terra. Era uma oportunidade única, dar seguimento a um pequeno estabelecimento de comércio misto aí existente. Ultrapassados alguns percalços pelo meio, os escassos meios para enfrentar as dificuldades que se avizinhavam, foi com a grande força de espírito de que sempre foi portador que tudo se ultrapassou e o seu objectivo atingido. Mesmo após o seu regresso à terra natal, a vida permaneceu dura mas na companhia da família e podendo contar com o seu apoio, foi mais fácil lidar com a crueza duma luta que afinal nada mais foi que o apanágio de uma vida.
Com o passar dos anos, a família vai aumentando, os filhos vão aparecendo até um total de oito, sem contar com o desaparecimento de uma ente querida que poucos dias de vida teve, mas que continua a perdurar na nossa memória. Tem que haver força e alento para enfrentar as agruras da vida! Passa os seus dias entre gerindo o estabelecimento e alguns negócios paralelos como a construção e o negócio de madeiras, que mantém por muitos anos.
E ultimamente, embora já tivesse abandonada há algum tempo os outros negócios, manteve sempre aberto o seu estabelecimento. Actividade esta que, ultimamente, já com alguma dificuldade de mobilidade física ia prestando apenas os serviços essenciais, que eram uma maneira de minorar o sofrimento de pessoas que, como ele, continuavam a dar vida à aldeia e que teimam em não a abandonar pois ela é sem dúvida o símbolo da sua existência.

Foi dentro deste estabelecimento que passou a maior parte da sua vida, onde muito trabalhou, se divertiu, teve momentos de grande alegria na companhia de clientes e amigos e que por ironia do destino teve os seus últimos momentos de vida, após ter terminado a sua normal distribuição de pão, deu o seu último suspiro...

É com muito mágoa que a custo escrevo estas linhas, mas sinto uma grande felicidade por poder desta forma, prestar homenagem a uma homem que sem duvida fez história nesta terra. A sua casa estava sempre aberta para receber a família e amigos que muitas vezes se deslocavam de longe para ir visitar o amigo Moreira do Carvalhal. Uma outra faceta da vida deste homem, foi um condão que, infelizmente, nos dias de hoje, nem todos conseguem, o dom de fazer amigos! A sua casa era paragem obrigatória e as portas estavam sempre abertas para receber a família, amigos ou simples visitas, para todos havia sempre, qualquer coisa para partilhar, beber um copo, comer uma sardinha ou um bocado de queijo, acompanhada de uma fatia de broa... bens de outrora, são coisas que as gerações vindouras não vão conhecer.
Partiu... embora já pareça uma eternidade ainda há pouco tempo! Foi um homem do povo, um homem simples mas de carácter, que fez muita falta a esta aldeia.
Manuel Moreira, vai sempre continuar presente na memória desta aldeia, terra que sempre amou e dedicou grande parte da sua vida. Continuarás sempre a fazer parte de nós! jamais serás esquecido.
Até amanhã meu pai!